O português, tal como um sapato confortável e desgastado, vai-se adaptando aos nossos pés — ou às nossas bocas — com novos calcanhares e remendos linguísticos. Se no inglês o Merriam-Webster acaba de engolir milhares de palavras digitais e memes, cá pelo burgo lusófono também há debates a fervilhar sobre termos que “estão para entrar” no léxico formal.
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Antes de sair a tipografia e mandar estes termos para os dicionários, convém esclarecer: em Portugal não há um processo tão mediático como o VOLP brasileiro, mas o mecanismo é semelhante — palavras vão sendo usadas com frequência, em vários contextos, e só depois os dicionaristas (ou vocabulários ortográficos oficiais) as incluem.
Aqui ficam algumas das “candidatas” mais interessantes ao estatuto de palavra já oficial — e umas notas sobre como isso funciona:
🧐 Palavras que Estão na Mira
Nos debates atuais no Brasil (que nos servem de espelho para ver por onde caminha o português lusófono), estão oito termos que já circulam forte nas redes, jornais e tribunais; cada um com peso próprio nas novas realidades sociais:
Palavra | Significado aproximado | Por que vale atenção |
---|---|---|
Disania | Aquela preguiça avassaladora de sair da cama, mesmo tendo dormido bem | Foi indicada como termo para descrever fadiga extrema matinal |
Terrir | Mistura de terror com rir — obras que provocam medo e riso ao mesmo tempo | Gêneros híbridos nos cinemas e séries usam isso bastante |
Pejotização | Transformar vínculo empregatício em prestação de serviço via “PJ” (pessoa jurídica) | Reflete desigualdades modernas no mercado de trabalho |
Cordonel | Remendo adesivo para pneus furados | É um nome técnico para algo muito prático no dia a dia |
Microssono | Breves episódios de sono involuntário, de apenas alguns segundos | Surge em debates de segurança no trânsito e carga de trabalho |
Reclínio | Ato de reclinar o corpo, inclinar-se para trás | Já se usava informalmente, agora quer status formal |
Retrofitagem | Dar upgrades tecnológicos a edifícios antigos sem destruir a estrutura | Palavra técnica ligada à arquitetura e sustentabilidade |
Tokenização | Converter dados reais em tokens para maior segurança digital | Termo técnico ligado a transações online e criptografia |
Estas propostas foram mencionadas como candidatas ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras.
🔍 Critérios do Dicionário (e por que nem todas “pegam”)
Não basta inventar ou usar uma palavra numa rede social: para ela entrar nos dicionários oficiais (ou nos vocabulários ortográficos), há filtros sérios:
- Frequentar muitos textos — não basta aparecer num meme; tem de surgir em jornais, artigos, livros, contextos formais.
- Significado estável — não pode ser algo ambíguo ou em constante flutuação de sentido.
- Uso generalizado — em diversas regiões e não só numa gíria local.
- Adequação morfológica e fonética — deve “encaixar” bem nas regras do português, inclusive no acordo ortográfico vigente.
No caso português europeu, muitas adições vêm das variações técnicas, culturais ou da adaptação digital. Um termo como tokenização pode aparecer primeiro no português do Brasil, mas ser adotado em Portugal com grafia semelhante ou ligeira adaptação.
✍️ E em Portugal? Quais termos estão a dar que falar?
Aqui entre nós, não há lista oficial tão visível como no Brasil, mas são frequentes os debates nos círculos linguísticos e nas redes sociais sobre:
- Adoção de anglicismos (“streaming”, “blockchain”, “ghosting”) já como palavras normais em português, com /s/ inicial e tudo.
- Novos termos da cultura digital: “viralizar”, “haterismo”, “cancelar” com sentido moderno, etc.
- Termos técnicos cada vez mais comuns no português europeu, vindos da ciência, informática e biotecnologia.
Por enquanto, muitos desses termos aparecem primeiro nos dicionários online (Priberam, Porto Editora, Michaelis online) antes de “subirem” para edições impressas.
ver também : “Coronel Custard: A Marmota das Vending Machines”
🌱 Por que isto interessa (além de nos fazer parecer cultos)
- Falar “tokenização” ou “disania” com propriedade dá-te aquele ar de quem sabe do assunto (e não é só jogar Wordle).
- Se estás a escrever para blogues, redes sociais ou plataformas em português moderno, conhecer esses termos evita que pareças fora de moda ou desconectado.
- Ver a língua mudar dá esperança: o português resiste e adapta-se — não é um cadáver, é uma árvore viva.
